O que é interseccionalidade?, de Carla Akotirene

09:39:00

“Não existe hierarquia de opressão, já aprendemos. Identidades sobressaltam aos olhos ocidentais, mas a interseccionalidade se refere ao que faremos politicamente com a matriz de opressão responsável por produzir diferenças, depois de enxerga-las como identidades [...]” (p. 41).  
O conceito de interseccionalidade, cuja origem é comumente atribuída à jurista Kimberlé Crenshaw, envolve a percepção de que os sujeitos oprimidos são alvos de diferentes mecanismos de opressão conforme os lugares que ocupam nas relações sociais, especialmente no tocante ao gênero, raça, classe e sexualidade. Nesse sentido, Carla Akotirene propõe reflexões sobre essa metodologia que tem sido bastante difundida no movimento feminista. Para tanto, apresenta ao leitor o seu desenvolvimento dessa perspectiva e algumas críticas à forma como ela tem sido trabalhada. 

A interseccionalidade é introduzida como concepção relativa a uma sensibilidade analítica da identidade e suas relações com o poder. Isto é, entende-se que a totalidade de cada indivíduo é integrada por recortes qualificados como avenidas identitárias e a sua compreensão depende de uma orientação geopolítica, visto que o exame adequado das questões de gênero, raça, classe e sexualidade, que compõem as intersecções, pressupõe a observação das relações de poder globais. Verifica-se, então, a existência de uma heterogeneidade de opressões, não de uma hierarquia desses marcadores. 

No livro, Carla Akotirene salienta que a interseccionalidade se relaciona essencialmente com uma análise do racismo mediante o desenvolvimento do feminismo negro, de modo que o uso do termo "interseccional" em substituição ao termo "negro" é bastante criticado. Afinal, essa abordagem não busca apenas sublinhar simples diferenças entre as identidades, mas constatar as desigualdades decorrentes da combinação de matrizes de opressão distintas impostas às mulheres.  Também é objeto de críticas a  aplicação dessa metodologia no âmbito da luta pelos direitos civis sem o devido reconhecimento dos seus fundamentos, anteriores ao trabalho de Kimberlé Crenshaw.

Ademais, a autora faz alusão a uma espécie de modismo acadêmico da interseccionalidade, responsável por converter essa forma de análise em um novo mecanismo de opressão. Basicamente, há a percepção de que o pensamento interseccional tem sido empregado em um viés eurocêntrico ocidental, o qual promove um enfoque de gênero e sexualidade em detrimento da raça. Essa seria uma estratégia para que a academia deixasse de abordar os privilégios da branquitude, ou seja, vantagens estáveis e estruturais da população branca. Sob esse panorama, cabe mencionar também a crítica ao uso do conceito político de interseccionalidade pelo capitalismo. Ao retratar o exemplo estadunidense, é observado que movimentos sociais atrelados aos recortes trabalhados por essa metodologia, como o LGBTQIA+, são explorados tanto no aspecto econômico como no geopolítico. 

No capítulo Vamos pensar Direito: interseccionalidade e as mulheres negras, é retratada a exclusão racial observada na concepção de políticas públicas relativas à questão de gênero, pois não são consideradas as particularidades de cada segmento que integra o grupo de mulheres. Nesse quadro, há políticas sobre a violência policial destinadas aos homens negros, bem como acerca da violência doméstica, do encarceramento feminino e do feminicídio direcionadas às mulheres brancas, mas nada focado nas mulheres negras, o que evidencia o racismo e sexismo institucionalizados. Ainda, a autora aponta para um fenômeno de "superinclusão" em que problemas interseccionais, como o aborto, são absorvidos pela estrutura de gênero, a qual acaba por provocar a criação de políticas universais.

Ainda no campo das críticas, a autora sublinha a necessidade de avaliar a própria categoria de interseccionalidade e o fato de o seu desenvolvimento carregar uma visão ocidental, de maneira que determinadas circunstâncias podem não ser exatamente fontes de opressão quando pensadas a partir de uma outra cultura, de modo que uma abordagem contextualizada é condição para uma interseccionalidade plena. Por fim, é sinalizado que, para Angela Davis, a metodologia interseccional de origem estadunidense é contraditória ao apresentar o Direito na qualidade de instrumento de garantia da justiça social quando, em verdade, a esfera jurídica acaba por perpetuar estereótipos e uma seletividade racial. 

Apesar de curto, O que é interseccionalidade? é um livro denso, carregado de informações sobre os fundamentos e as implicações desse conceito, que tem sido tão aplicado e acerca do qual muitas vezes não refletimos. Essa é uma leitura muito válida para todos que se interessam pelo feminismo e almejam desenvolver um pensamento mais abrangente dentro do movimento, alicerçado na compreensão de que não existe uma mulher universal, razão pela qual é preciso considerar os distintos sistemas de opressão que revelam essas intersecções. Assim, posso afirmar que a minha experiência com essa obra não acabou com a conclusão da leitura, pois me rendeu diversas anotações, questionamentos e referências para estudar mais o tema. 

“[...] o conhecimento deve ir além das demarcações fixadas por linhas imaginárias do horizonte e, finalmente, valer-se de raça, classe, território e gênero, mas enlanguescendo-se.” (p. 108).


Minha Estante #121
Título: O que é interseccionalidade?
Autor (a): Carla Akotirene
Páginas: 140
Editora: Letramento
Nota: 5/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista



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