Explosão feminista, de Heloisa Buarque de Hollanda

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Explosão feminista - Arte, cultura, política  e universidade é um compilado de capítulos escritos por diversas mulheres, trechos de depoimentos e entrevistas, bem como textos próprios  da Heloisa Buarque de Hollanda fundamentados no seu contato com essas outras personalidades. Com o propósito de explorar diversas áreas de desenvolvimento do feminismo nos últimos anos, a autora divide o livro em quatro partes, compostas por capítulos destinados a segmentos específicos e, assim, consegue abordar uma vasta gama de tópicos relevantes acerca do pensamento feminista atual. 

A obra tem início com A nova geração política, trecho que trata sobre as estratégias de mobilização feminista nas ruas e na rede em conformidade com a nova conjuntura social ante as transformações nos meios de comunicação. Nesse contexto, destacam-se as manifestações que integraram a chamada "primavera feminista", influenciadas pelos protestos ocorridos em 2013 os quais marcaram a história dos movimentos sociais, e o intenso uso das hashtags como mecanismo para a propagação de campanhas em favor de direitos das mulheres, caracterizadas principalmente pelo compartilhamento de vivências particulares a fim de incentivar a discussão sobre temas complexos. Ademais, é tratada a questão da política representativa, considerando que a maior parte da população é constituída por mulheres, todavia não há uma representação feminina efetiva no governo. É válido sublinhar uma observação feita por Antonia Pellegrino: "Se houve avanços, sem que as mulheres tenham eleito representantes de suas agendas, isso indica uma especialização em fazer política fora da política [...]" (p. 63).

Palavra forte abrange a participação e a representação das mulheres no universo das artes, poesia, cinema, teatro, música e academia. Embora todo o livro tenha me apresentado informações novas, acredito que esse tenha sido o trecho que mais me tirou da zona de conforto, especialmente em relação às artes e à poesia, já que eu não tenho tanto contato com essas produções e algumas delas são reproduzidas no decorrer dos capítulos. Nesse sentido, é bem interessante perceber como as reivindicações femininas e as críticas aos mecanismos de opressão são incorporadas às performances e aos escritos dessas artistas, de maneiras influenciadas diretamente pela vivência de cada uma. 

O capítulo que mais me interessou nesse trecho foi o referente ao meio acadêmico, o qual nos chama a atenção para uma fase de transição das mulheres da qualidade de objeto de estudo para a posição de sujeito de estudos, com destaque para o desenvolvimento de revistas científicas com enfoque feminista, a exemplo da Revista Estudos Feministas (UFSC) e  Cadernos Pagu (Unicamp) e grupos de pesquisa voltados para essa temática. Nessa nova etapa, Carla Rodrigues salienta a necessidade de "generificar" a bibliografia, isto é, diversificar nossas fontes de estudo. Também é abordada a existência de condutas machistas nessa área, em razão da dicotomia corpo/feminilidade x vida intelectual, decorrência da estrutura patriarcal. Por fim, explora-se a constituição de uma metodologia interseccional a fim de promover a diversificação dos saberes mediante novas epistemologias. 

Os feminismos da diferença reúne os vieses negro, indígena, asiático, trans, lésbico e protestante. Cabe sublinhar o capítulo que introduz essa parte, no qual a Heloisa Buarque de Hollanda explica um pouco sobre as noções de interseccionalidade e lugar de fala, de maneira a demonstrar a relevância de ter convidado mulheres integrantes de cada um desses recortes para escrever sobre o tema. Afinal, essa seria a única forma de transmitir verdadeiramente as particularidades desses segmentos. Esse reconhecimento da necessidade de proporcionar meios de manifestação para as mulheres sujeitas a essas combinações de sistemas de opressão é um ponto muito positivo do livro. 

O capítulo mais completo, a meu ver, é o concernente ao feminismo negro, no qual é melhor explicado o conceito de interseccionalidade, termo cunhado por Kimberlé Crenshaw, mas cuja proposta já era realizada pelas ativistas e teóricas brasileiras Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro. Assim, é retratada a crítica que dá origem a essa metodologia, no sentido de evidenciar que o feminismo baseado em uma mulher universal em verdade corresponde a um feminismo branco, alheio as implicações das opressões simultâneas de gênero, raça e classe às quais são submetidas principalmente as mulheres negras. Ainda, consta uma entrevista com a filósofa Djamila Ribeiro, a partir da qual é possível conhecer um pouco da sua história com o feminismo negro e do desenvolvimento do movimento no Brasil.  

Por fim, As veteranas ou um sinal de alerta sobre uma memória não escrita é constituído por relatos de Bila Sorj, Sueli Carneiro, Jacqueline Pitanguy, Malu Heilborn, Schuma Schumaher, Maria Betânia Ávila e Branca Moreira Alves, mulheres que contribuíram/contribuem para o pensamento feminista brasileiro. Nesse momento, as autoras dissertam sobre como se descobriram parte do movimento e como ajudaram a desenvolver o feminismo no Brasil, especialmente no tocante às mobilizações populares e princípios de conexões com as estruturas do Estado, a exemplo da representação feminina na Assembleia Constituinte da redemocratização e da configuração do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Essa é uma ótima oportunidade para que as feministas mais jovens, como é o meu caso, tenham contato com essa trajetória e possam perceber não só todos os obstáculos enfrentados por nossas antecessoras ou contemporâneas, mas todas as conquistas decorrentes de seus trabalhos. 

Explosão feminista é uma ótima opção para quem tem interesse em saber mais sobre a conjuntura do feminismo no século XXI, nesse cenário de mudanças nos diversos setores da sociedade, desde as tecnologias de comunicação até as inovações no quadro político. A Heloisa Buarque de Hollanda conseguiu construir um espaço muito bacana para somar as contribuições de mulheres integrantes de variados recortes do feminismo, a fim de viabilizar uma abordagem mais abrangente e com mais propriedade no tocante a essas particularidades, o que revela a sua preocupação com a produção de um material verdadeiro e completo. Recomendo bastante. 


Minha Estante #119
Título: Explosão feminista
Autor (a): Heloisa Buarque de Hollanda
Páginas: 544
Editora: Companhia das Letras
Nota: 4/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista

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