Eu e não outra, de Laura Folgueira e Luisa Destri

11:56:00


"[...] Motivada pela máxima de que o conhecimento é solitário, e empenhada em busca-lo sozinha, a escritora estudava, produzia, pesquisava [...]" (p. 115)

Primeira biografia de Hilda Hilst, Eu e não outra resulta do trabalho de duas pesquisadoras ávidas por compreender a essência dessa personalidade brasileira. Motivadas pela curiosidade acerca da escritora protagonista de diversos jornais em 2004, Laura Folgueira e Luisa Destri buscaram partícipes de sua jornada e reuniram um volumoso material. Assim, perceberam a unidade entre obra e vida de Hilst, de maneira a conseguir descrever um panorama geral e explorar sua individualidade

São descritas etapas desde a construção da família de Hilda, quando Bedecilda e Apolônio, seus pais, se uniram em Jaú, no estado de São Paulo. Os dois se separaram pouco depois de seu nascimento e, alguns anos mais tarde, o homem foi identificado como esquizofrênico e passou a se isolar, a fim de viver somente com a sua paixão pela geração modernista recém-formada. O reencontro entre pai e filha ocorreu quando esta tinha dezesseis anos de idade: Apolônio a confundiu com sua ex-companheira e a situação provocou marcas, evidenciadas em alguns escritos e na constante retomada da figura paterna em meio a episódios amorosos da jovem. 

Após estudar em um colégio de freiras, as quais não lidavam tão bem com seus questionamentos a respeito das condutas impostas ali, Hilda cursou a faculdade de Direito. Todavia, não se envolveu de fato com a área jurídica, pois logo na fase universitária começou sua carreira de poeta. Alvo tanto de elogios como de fortes críticas, teve a beleza de sua poesia reconhecida por Lygia Fagundes Telles, escritora que se tornou uma de suas grandes amigas. 




Durante esse estágio inicial, em decorrência de sua presença em vários eventos e de algum reconhecimento de seu caráter intelectual, não obstante sua beleza, criou-se a expectativa de um posicionamento da autora quanto à luta por emancipação feminina. No entanto, esta se mostrava alheia a esses anseios feministas. Conforme Folgueira e Destri, "Entre a feminilidade que lhe rendia certa fama na sociedade e a força masculina que associava à escrita, Hilda se equilibrava com charme, criatividade e, sobretudo, ironia" (p. 50). A meu ver, essas observações revelam uma tentativa da poeta de se desvencilhar da inferioridade atribuída às mulheres e alcançar a valorização de seu trabalho.

O subtítulo "a vida intensa de Hilda Hilst" combina perfeitamente com a energia que essa personalidade dispensava a tudo o que lhe envolvia, principalmente o amor. Ao longo da biografia, descobrimos que ela se relacionou com diferentes homens e se entregou completamente aos sentimentos despertados por cada um deles. Sob essa perspectiva, entendemos parte de seu processo de escrita, ao qual se dedicava intensamente e no qual depositava suas paixões, de modo a expressar todas as sensações e pensamentos que lhe moviam. A autora foi casada somente uma vez, com Dante Casarini, quem acompanhou o processo de construção do cenário da maior parte da existência de Hilda: a Casa do Sol. O relacionamento como um casal durou pouco mais de dez anos, mas como amigos permaneceu até o fim da vida. 


Além da escrita, dedicou-se aos estudos do misticismo. Nos anos 70, sua crença na possibilidade de um contato com pessoas mortas se acentuou em virtude de leituras e da realização de experimentos. Durante algum tempo, Hilst utilizou gravador, amplificador e rádio para tentar escutar alguma mensagem. Apesar de descreditada por vários amigos, continuou a empregar essa aparelhagem e chegou a usar a gaiola de Faraday, construída em sua residência com o auxílio de integrantes do Departamento de Física da Unicamp. Em decorrência dessas atividades, a nova pesquisadora transformou-se em um alvo da mídia e participou até de um Colóquio Brasileiro de Parapsicologia. 

Apesar de ter ganhado alguns prêmios, adaptações para o teatro e a oportunidade de ser a primeira a participar do Programa do Artista Residente (PAR), através do qual passou a ministrar conferências na Unicamp principalmente sobre as relações entre física e metafísica, com a parceria de outros professores, a escritora não estava tão satisfeita. Ao final da década de 80, passou a contestar a distribuição de seus livros e criticar os editores brasileiros. Para ela, era essencial a leitura de suas obras pelo grande público, tanto para que seu talento deixasse de ser reconhecido exclusivamente por intelectuais como para que fosse possível ganhar dinheiro e pagar suas muitas dívidas.

De acordo com Folgueira e Destri, "Hilda queixava-se de que, para o mercado editorial, os autores não podiam pensar em português. Isso explicava, mesmo no Brasil, a preferência por autores estrangeiros.[..]" (p. 161), parecer pertinente ainda hoje. Ademais, ela acreditava que seus textos pareciam desinteressantes para boa parte da população pelo fato de instigar uma crise existencial, a qual era temida pelos indivíduos. Como uma estratégia de manifesto, resolveu renovar seus escritos e começar sua participação na literatura pornográfica: publicou O caderno rosa de Lori Lamby e passou a ser procurada pela imprensa.


É interessante perceber essa mudança quanto ao reconhecimento de Hilda Hilst. Segundo ela, a qualidade de escrita permanecia a mesma. Entretanto, a maior atenção conferida a suas produções se dava principalmente por ser uma mulher a escrever sobre pornografia e com tamanha naturalidade. O objetivo era introduzir os leitores a seu trabalho por intermédio dessa fase e buscassem conhecer os demais, suas verdadeiras obras-primas, como A obscena senhora D. Embora seu intuito tenha sido parcialmente alcançado, esses títulos acabaram por ofuscar a sua literatura principal.

Sempre vi comentários positivos sobre os livros de Hilda Hilst, os quais se multiplicaram quando esta foi anunciada como autora homenageada do Festival Literário de Paraty de 2018, todos relacionados à intensidade e à dificuldade da leitura. Apesar da minha curiosidade acerca dessa renomada personalidade brasileira, não li nada dela por receio de não conseguir me envolver. Encontrei nessa biografia a chance de finalmente entender o porquê de tantas menções a essa mulher.

O trabalho feito pelas pesquisadoras foi muito bacana, pois elas procuraram reunir uma grande quantidade de conteúdo sobre a vida dessa autora para mostrar ao leitor como seus textos refletiam exatamente suas experiências. Sabemos que a maioria dos escritores fundamenta seus livros a partir de acontecimentos particulares, mas a maneira genuína como Hilst o fez parece única.

Ao longo do desenvolvimento, criamos uma ligação com essa "protagonista" e, especialmente devido ao tratamento afetuoso conferido a seus amigos, sentimos a construção de um vínculo com ela, de modo que, ao ler sobre sua morte em 2004, lamentamos a perda de figura tão significativa. Sem dúvidas, fiquei com muita vontade de continuar a tentar compreender essa artista, agora através de seus escritos.

"Os mortos sabem tudo, parece-me que os vivos têm muita coisa para ver e assim não ficam sabendo nada. Ficam vendo." (Hilda, p. 118)


Minha Estante #111
Título: Eu e não outra
Autor (a): Laura Folgueira e Luisa Destri
Páginas: 232
Editora: Tordesilhas
Nota: 4/5
Onde comprar: Amazon 
Livro cedido em parceria com a editora


Já leram algum livro da Hilda Hilst? Me contem nos comentários como foi a experiência!
Beijos e até o próximo post!

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