Má Feminista, de Roxane Gay

17:16:00


"Eu aceito abertamente o rótulo de má feminista. Eu realmente aceito porque eu sou falha e humana. Eu não sou terrivelmente bem estudada na história do feminismo. Eu não sou bem estudada nos textos feministas chave como eu gostaria de ser. Eu tenho certos.. interesses e características pessoais e opiniões que podem não cair bem com o feminismo, mas eu ainda sou uma feminista. Eu não posso dizer a você como libertador te sido aceitar isso sobre mim."

Má Feminista é uma coletânea de ensaios da professora, escritora e, como o título indica, feminista Roxane Gay. Dividido em cinco partes, o livro aborda representatividade, racismo, entre outras temáticas, com um caráter bastante pessoal e voltado para o universo atual, gerando uma identificação e uma aproximação entre escritora e leitor, elementos responsáveis por permitir uma leitura fluida apesar da grande quantidade de textos. 

*Fiz a leitura desse livro em inglês, por isso farei uma tradução livre dos títulos dos ensaios e das partes

Na primeira parte, Eu, há uma espécie de apresentação ao público. Por mais que todos os ensaios revelem experiências da autora, aqueles que compõem esse início são ainda mais pessoais, e as situações vividas por ela não são usadas como exemplos, mas sim como o eixo daquele texto, permitindo evidenciar principalmente os impactos de alguns fatores na sua vida, como a ausência de representatividade na mídia. Através de momentos da infância, adolescência e como professora numa universidade, Roxane mostra o porquê do seu envolvimento e engajamento com o feminismo negro.

Logo no começo da parte denominada Gênero e Sexualidade, a autora traz um roteiro de como ser amiga de uma mulher e promove uma desconstrução da ideia de rivalidade feminina. Nessa seção, a maior parte dos textos aborda a questão da representatividade e o papel dos veículos de comunicação na manutenção dos padrões de beleza, de um estereótipo do feminino e da cultura do estupro. Roxane aponta para a constante busca por uma obra revolucionária que seja capaz de suprir todas as demandas por representação das minorias, o que provoca a criação de expectativas por algo que dificilmente vai existir, aludindo às críticas feitas sobre a série Girls, desenvolvida por Lena Dunham.

Um aspecto interessante desse trecho é que alguns ensaios abordam esses elementos não só na televisão e no cinema, mas também na literatura. A autora trata do feminismo nesse meio através de alguns comentários sobre títulos específicos, como o Como ser mulher, de Caitlin Moran, e aponta os elementos do movimento que poderiam ser melhor levantados pelas autoras, evidenciando a importância de reconhecer a pluralidade do feminismo, abrangendo raça e sexualidade. Além disso, ela também levanta a questão da inferiorização da mulher no mercado editorial, algo que vem sendo bastante discutido nos últimos anos, debate que gerou projetos como o Leia Mulheres.

Em seguida, Raça e Entretenimento possibilita reflexões sobre a falha representatividade que ocorre quando pessoas tentam produzir tramas sobre assuntos que não dominam. Nesse caso, Roxane apresenta obras como Histórias Cruzadas, em que há a criação do chamado "negro mágico", ou seja, há uma idealização do negro, visto que livro e filme foram desenvolvidos por pessoas brancas. A autora também aponta para a realidade de precisar comemorar e enaltecer quase todo tipo de representação das minorias, apesar dos problemas que ela apresenta, pois já é vista como um avanço.

Política, gênero e raça apresenta ensaios mais variados, que vão desde o questionamento da ideia absurda de que o preconceito só irá acabar a partir da mudança de comportamento do grupo oprimido até uma abordagem sobre os frequentes posicionamentos feitos por homens quanto aos direitos das mulheres, principalmente em relação ao aborto e aos métodos contraceptivos, que ignoram completamente o domínio da mulher sobre seu próprio corpo.

Por fim, em De volta a mim, Roxane apresenta uma espécie de "depois" em relação à primeira parte do livro. Dessa vez, a autora mostra a sua jornada dentro do feminismo, abordando o seu real conceito, questionando as divisões presentes nele e tratando do peso do rótulo de "feminista" devido ao estereótipo ligado a ele, o que muitas vezes afasta as mulheres do movimento. Assim, ela propõe uma conversa bastante pessoal e compartilha seus pensamentos, questionamentos e angústias por ser aquilo que considera uma má feminista, proporcionando uma pequena crise existencial e mostrando ao leitor as suas mudanças ao longo de sua participação no feminismo.

Como mencionei anteriormente, Má Feminista provoca no leitor um sentimento de identificação. Isso ocorre logo na introdução, quando a autora compartilha um pouco da sua relação com o movimento e aponta para as falhas existentes tanto nela quanto no próprio feminismo, sempre afirmando o quão normal essas falhas são, afinal, somos todos humanos e nada nem ninguém é perfeito. Ao falar bastante de si, Roxane nos faz pensar sobre como nós nos relacionamos com nossas próprias imperfeições, nosso comportamento perante o mundo, enfim. Essa sensação de estar próximo de quem escreve é um dos pontos positivos do livro.

Outro fator positivo na minha experiência de leitura é que esta é uma obra de uma feminista negra. Ou seja, principalmente na seção Raça e Entretenimento eu pude compreender e problematizar acontecimentos tanto na mídia quanto no cotidiano relacionados ao racismo, situações que não me afetam diretamente, já que sou branca, mas que nós precisamos saber identificar para, assim, contribuir na luta contra essa forma de discriminação. Esses textos mais voltados para a questão racial me fizeram pensar muito sobre a pluralidade do movimento feminista, graças à diversidade de mulheres que participam do movimento, e a importância desse elemento.

Como toda coletânea, a obra possui alguns textos melhores que outros. De modo geral, Má Feminista é um bom livro, principalmente por focar tanto nos meios de comunicação e em produções contemporâneas, possibilitando ao leitor identificar situações machistas, racistas e homofóbicas presentes na nossa sociedade, seja na mídia ou no dia a dia, que por vezes passam despercebidas devido à cultura preconceituosa existente. Dessa forma, a leitura nos permite questionar diversos pontos da nossa comunidade e, aos poucos, modifica-los.


"Não importante quais questões eu tenho com o feminismo, eu sou uma feminista. Eu não posso e não vou negar a importância e a absoluta necessidade do feminismo. Como a maioria das pessoas, eu sou repleta de contradições, mas eu também não quero ser tratada como merda por ser uma mulher. Eu sou uma má feminista. Eu prefiro ser uma má feminista a não ser nada feminista."

Minha Estante #109
Título: Má Feminista
Autor (a): Roxane Gay
Páginas: 320
Editora: Novo Século
Nota: 4/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista



Já leram Má Feminista ou Fome, outro livro da Roxane Gay publicado aqui no Brasil? Me contem nos comentários o que acharam!
Beijos e até o próximo post!





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