Os Homens Explicam Tudo Para Mim, de Rebecca Solnit

14:58:00


"A maior parte das mulheres trava guerras em duas frentes, uma para qualquer que seja o tópico e outra simplesmente para o direito de falar, de ter ideias, para ser reconhecido na posse de fatos e verdades, para ter valor, para ser um ser humano. As coisas melhoraram, mas esta guerra não vai acabar no meu tempo de vida. Eu ainda estou lutando, para mim certamente, mas também para todas as mulheres mais jovens que têm algo a dizer, na esperança de que elas vão começar a dizer isso."


Os Homens Explicam Tudo Para Mim reúne sete ensaios da escritora, historiadora e ativista estadunidense Rebecca Solnit, conhecida por seus diversos livros sobre feminismo, poder popular, mudanças sociais, entre outras temáticas, e por ter promovido o surgimento do termo "mansplaining", explicado no texto que dá nome a essa obra. Como toda coletânea, alguns textos são melhores que outros, porém irei comentar brevemente sobre cada um deles e destacar os meus favoritos. 

*Fiz a leitura desse livro em inglês, por isso farei uma tradução livre dos títulos dos ensaios

Em Os Homens Explicam Tudo Para Mim, texto que inicia o livro, a autora utiliza uma situação vivenciada por ela e uma amiga para exemplificar o fato de que o conhecimento das mulheres é muitas vezes silenciado pela suposta sabedoria dos homens. Num contexto social em que o masculino é visto como superior, esse caráter é aplicado também ao saber. A partir desse ensaio, e da identificação provocada por ele, surgiu a expressão mansplaining. O termo trata de um homem explicar algo, que na maioria dos casos ele não domina, a uma mulher que já sabe ou tem até maior propriedade sobre o tema. No ocorrido mencionado, um "Sr. Muito Importante" passou um tempo discursando sobre o livro que a própria Rebecca havia escrito, enquanto ele havia apenas lido uma matéria acerca do título.

A seguir, A Mais Longa Guerra aborda a violência como um fenômeno social que deve ser visto também como uma questão de gênero, na medida em que cerca de 90% dos assassinatos nos Estados Unidos, país usado como exemplo no livro, é cometido por homens. Ao apresentar outras estatísticas que confirmam essa perspectiva, a escritora reforça que não quer condenar os homens por todos os crimes praticados, mas utilizar esses dados como base para buscar maneiras de combater esse cenário. Rebecca também ressalta a importância de erradicar a constante atribuição de culpa à vítima em detrimento do agressor, tratando esses casos como violações dos direitos civis básicos, e não simples incidentes. 

O terceiro ensaio, Mundos Colidem em uma Suíte de Luxo, visa utilizar o histórico de colonização e criação de uma organização como o Fundo Monetário Internacional para levantar a questão da injustiça global e da separação entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, elaborando um cenário que reflete a influência da posição social nos casos de abuso sexual. A metáfora feita pela autora me lembrou imediatamente de duas situações recentes: as acusações de assédio feitas por diversas atrizes contra um diretor de Hollywood e a denúncia feita por uma funcionária de uma emissora brasileira contra abusos frequentes feitos por um ator renomado.

"Não há nenhuma boa razão (e várias razões ruins) para escolas gastarem mais tempo falando para mulheres como sobreviver a 'predadores' do que falando para a outra metade dos estudantes não serem predadores." 

No texto seguinte, Em Louvor da Ameaça: o que realmente significa igualdade de casamento, Rebecca utiliza a expressão marriage equality, que passou a ser aplicada para tratar de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, para indicar que o matrimônio tradicional, entre um homem e uma mulher, não segue essa ideia. A autora aponta para a hierarquia existente nesse tipo de relacionamento, citando um comentário feito em 1765 por um juiz britânico segundo o qual "a existência legal da mulher é suspensa durante o casamento, ou pelo menos é incorporada e consolidada na do marido". Ou seja, os seus direitos são simplesmente ignorados. De imediato lembrei do filme Big Eyes, no qual a submissão da pintora Margaret Keane ao seu marido fez com que seu caráter de artista fosse reconhecido tardiamente. 

Em Avó Aranha, há toda uma dissertação, sobre uma pintura em que uma mulher está colocando a roupa no varal e sobre uma árvore genealógica que contém apenas os homens da família, para evidenciar a omissão das mulheres ao longo da história. Afinal, como afirmou Virginia Woolf, "Ao longo da maior parte da História, Anônimo foi uma mulher". Posteriormente, em Escuridão de Woolf: abraçando o inexplicável,  Rebecca apresenta passagens da obra de VW sobre incertezas para depois mencionar o papel dessa escritora na propagação da ideia de libertação da mulher em um sentido mais subjetivo. Esses foram os textos que eu menos gostei, devido ao fato de a autora ter feito muitos rodeios para comentar tão brevemente sobre o real foco do ensaio. 

Por fim, em Caixa de Pandora e a Força de Polícia Voluntária, Solnit relembra a trajetória do movimento feminista, evidenciando que, apesar de parecer uma luta infinita, aos poucos objetivos estão sendo alcançados e observar essas conquistas é essencial para nos encorajar, nos dar forças e, assim, seguirmos lutando. A autora comenta sobre o chamado "novo feminismo", apontando para a existência de novas ferramentas que impulsionam a sua propagação e possibilitam ampliar as discussões, além de ressaltar o movimento como busca pela igualdade, e não superioridade em relação aos homens. A caixa de pandora e outros mitos são usados como metáfora para o fato de que as ideias que foram levantadas ao longo dos anos, assim como os espíritos que saíram da caixa e afins, não serão apagadas. 

Na minha opinião, os dois primeiros textos e o último são os melhores da coletânea. Esses ensaios conseguem expressar de maneira direta os tópicos que serão abordados pela autora. Um ponto muito positivo de todo o livro é a riqueza de informações explorada pela Rebecca Solnit. A todo momento ela aplica referências, citações, apresenta casos específicos, estatísticas, uma enorme variedade de aspectos que reforçam os seus argumentos. Toda essa construção dos textos é feita de uma forma que consegue trazer clareza para o leitor. Portanto, se você está buscando uma obra feminista
contemporânea, essa é uma ótima pedida.

"Os gênios não vão voltar para dentro das caixas. E isso é, realmente, como a revolução funciona. Revoluções são, antes de tudo, de ideias."

Minha Estante #106
Título: Os Homens Explicam Tudo Para Mim
Autor (a): Rebecca Solnit
Páginas: 208
Editora: Cultrix
Nota: 4/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista


Já leram esse ou outro livro da Rebecca Solnit? Me contem nos comentários o que acharam!
Beijos e até o próximo post!



You Might Also Like

2 comentários

  1. Olá,
    Tenho muita vontade em ler esse livro.
    Adorei sua visão em cima dos ensaios, e os achei bem pertinentes.
    Espero conseguir ler a obra futuramente.

    bjs
    Nana - Canto Cultzíneo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Nana! Obrigada! Espero que goste da leitura. Beijos <3

      Excluir

Não vai sair sem deixar um comentário, né? Sua opinião é muito importante para mim.
Por favor, deixe o link do seu blog no final do comentário, assim poderei retribuir a visita.
Obrigada. Volte sempre!

Layout por Gabrielle Oliveira. Tecnologia do Blogger.

Leitores

Subscribe