O Frágil Toque dos Mutilados, de Alex Sens

15:06:00




"Ela detestava essa regra humana de agir conforme a música. Privar-se da própria felicidade (que já era escorregadia) pela infelicidade alheia sempre lhe parecera um absurdo de convenções moralistas e estreitas. Talvez nesse ponto - e somente neste ponto - ela e a irmã compartilhassem a mesma opinião." (Pág. 314)

Magnólia é uma mulher adulta que tem uma relação um tanto complicada com os irmãos, Orlando e Elisa. Os três não se vêem há muito tempo e, por esse motivo, Mag decide fazer uma visita ao irmão com o marido, Herbert, que deve aproveitar a folga para se dedicar a um ensaio sobre sua obra favorita: As Ondas, de Virginia Woolf. No entanto, essa não é a única razão da viagem. Sara, sua cunhada, faleceu há um ano e ela não compareceu ao enterro, sem dar explicações. Orlando ficou bastante desapontado, mas acabou se conformando devido à condição da irmã.

Magnólia foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline, ou seja, um transtorno mental marcado por comportamentos instáveis. Devido a esse aspecto, Orlando aprendeu a relevar determinadas atitudes da irmã, o que se intensificou com a ajuda que ela lhe forneceu através das ligações em noites de desespero após a morte da esposa, incentivadas pelo seu alcoolismo. Assim, quando recebeu a notícia de que a irmã iria se hospedar em sua casa por um mês, Orlando resolveu aproveitar para tentar restabelecer um contato honesto com Mag. Entretanto, o reencontro reavivou pontos complicados desse relacionamento.


O Frágil Toque dos Mutilados é um drama familiar que narra o período vivido por Magnólia na casa do irmão, Orlando, o qual ela não via há três anos. Cada capítulo corresponde a um dia e descreve as principais situações ocorridas, de modo que é possível perceber a tensão existente entre esses familiares mesmo com o avanço do tempo e com as constantes tentativas de promover um convívio melhor e mais sincero. Além disso, Mag acaba reencontrando outras pessoas que fizeram parte do seu passado e um incômodo em relação a elas também é revelado.

Magnólia é uma enóloga, ou seja, uma especialista em vinhos. Depois de alguns anos estudando na França, conheceu Herbert numa livraria e se apaixonou. Após quatro anos juntos, ela decide visitar o irmão e finalmente lhe apresentar o marido. Orlando trabalhava numa rádio, mas com a morte da esposa e a dificuldade de lidar com a situação e os dois filhos, desenvolveu problemas com o álcool e passou a trabalhar como pintor. Elisa é coordenadora de uma escola e é muito envolvida com questões espirituais, por isso sempre reforça seus pensamentos acerca do poder e do significado das escolhas. Os três são bem diferentes, porém as irmãs possuem concepções ainda mais distintas e o irmão acaba tentando manter um equilíbrio entre elas.

Apesar de todas as diferenças, Magnólia e Orlando têm uma característica em comum: a relação com o álcool. Enquanto ele reconheceu o problema e passou a frequentar reuniões do AA, ela crê ter somente uma paixão intensa por vinhos, uma extensão da sua profissão. Entretanto, devido ao seu transtorno psicológico, essa ligação com a bebida é mais perigosa do que parece. No decorrer da trama, o leitor consegue notar a dependência desenvolvida por Magnólia e como o contexto vivenciado pelos personagens influencia na sua maneira de lidar com o álcool.


Como mencionei no início da resenha, Magnólia possui Transtorno de Personalidade Borderline. No decorrer do livro, nós somos apresentados a esse diagnóstico e por meio das ações da protagonista nós vamos montando um panorama do que significa essa condição. O principal sintoma, que o leitor consegue identificar logo no início, é a instabilidade emocional. Num instante a Mag parece estar agindo normalmente, buscando um entendimento com o irmão, no outro ela desiste de dar continuidade ao tratamento atual, jogando fora seus remédios. A abordagem feita pelo autor acerca desse transtorno é muito bacana, já que ele consegue explorar a temática de forma esclarecedora e sem transformar a Magnólia em uma vítima, nem mesmo do ponto de vista dos outros personagens, deixando essa tarefa para a própria protagonista.

O contexto vivido por Orlando também é retratado de maneira interessante. Vivendo na beira da praia, ele precisa encarar todos os dias ambientes repletos de lembranças da sua esposa falecida, dentro e fora da casa, já que a sua varanda tem vista para o mar e Sara morreu afogada. Ao longo de um ano, Orlando abandona o emprego, começa a se dedicar à pintura, cuida dos filhos que estão entrando na adolescência e sentem muita falta da mãe, desenvolve um vício no álcool e passa a frequentar encontros do AA. São muitos acontecimentos que mexem com o seu emocional e poucas oportunidades de compartilhar seus sentimentos. Por esse motivo, quando a irmã decide lhe fazer uma visita, Orlando tenta ao máximo ser um bom anfitrião, deixando Mag à vontade, mas acaba desabando em alguns momentos.

Tomas, um garoto de onze anos, e Muriel, uma garota de treze, são os filhos de Orlando. Apesar de serem crianças, esses personagens não foram inseridos no enredo de forma superficial, apenas para reforçar o sofrimento do pai. Durante o desenvolvimento, as personalidades desses jovens são mais aprofundadas e é possível desvendar os conflitos vivenciados por eles. Outra personagem que demora um tanto para aparecer de fato na história é Elisa, a irmã mais nova. No entanto, quando ela começa a fazer parte diretamente da trama o leitor entende o porquê de a sua relação com Magnólia ser tão conflituosa.

Herbert, marido de Magnólia, é mais um personagem cuja personalidade é explorada de forma bem sutil. Na maior parte do tempo tudo o que ele faz é tentar escrever um ensaio sobre seu título favorito da sua autora favorita. Os paralelos feitos entre a vida da Virginia Woolf, as histórias e personagens criadas por ela e as condições de Magnólia são muito interessantes. Um exemplo disto é mencionado pela protagonista no fato de o marido a comparar com Mrs. Dalloway. Essas analogias me deixaram com ainda mais vontade de conhecer os trabalhos de ficção dessa escritora inglesa, principalmente o Mrs. Dalloway e As Ondas, livro sobre o qual Herbert começa a escrever.


Sem dúvidas, a construção dos personagens é um dos grandes pontos positivos dessa obra. Ao longo do desenvolvimento são apresentados aspectos diferentes sobre cada um dos indivíduos dessa família e aos poucos é possível entender alguns comportamentos e sentimentos que anteriormente não pareciam tão condizentes com determinadas situações. A maneira como todas essas personalidades são estruturadas permite uma aproximação do leitor, de modo que ele se identifica com dados pensamentos e sente empatia por circunstâncias bastante distintas.

A escrita do Alex Sens é muito poética e esse aspecto colabora para a compreensão que é despertada em quem lê. A sua narrativa torna a trama ainda mais envolvente e faz o leitor buscar aceitar os personagens e suas particularidades, tentando não tomar partido de nenhum deles, desejando que esses relacionamentos sejam restaurados e que tudo fique bem. Essa característica revela o poder da escrita de um autor e da capacidade desse fator de transformar por completo uma experiência de leitura.

O Frágil Toque dos Mutilados é um romance nacional contemporâneo maravilhoso que merece ser lido. Sempre vi comentários positivos sobre essa obra e tive minhas expectativas superadas. Com certeza é um dos melhores livros de 2017 e já recomendo a todos. Essa obra sensacional terá sua continuação lançada no próximo ano e eu não vejo a hora de reencontrar esses personagens. 

"- Mas isso não adianta.
- Ir embora?
- É. Mudar. Mudar de um lugar só para fugir de uma dor, quando a dor não está no lugar, está na gente. Não adianta." (Pág. 83)


Minha Estante #95
Título: O Frágil Toque dos Mutilados
Autor (a): Alex Sens
Páginas: 416
Editora: Autêntica
Nota: 5/5
Onde comprar: Amazon | Americanas | Saraiva | Submarino
Livro cedido em parceria com a editora

Já leram O Frágil Toque dos Mutilados? O que acharam? Me contem nos comentários!
Beijos e até o próximo post!

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2 comentários

  1. Até hoje só li resenhas muito positivas desse livro. Imagino que seja interessante já ter lido Mrs. Dalloway p/ entender melhor as comparações com a Magnólia, eu tenho o livro mas ainda não li, tenho um pouco de receio pela dificuldade, que todos dizem, da leitura. Senti um pouco de pena de Orlando, muitos problemas pessoais e ainda ser a calmaria entre as irmãs, ninguém aguenta, fico imaginando os filhos do Orlando no meio disso. Parece um livro muito reflexivo, espero ter a oportunidade de ler.

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    1. Sem dúvidas essa história promove várias reflexões. É muito interessante acompanhar a trajetória desses personagens, não vejo a hora de a continuação ser lançada. Beijos ♥

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