O que é lugar de fala?, de Djamila Ribeiro

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A noção de lugar de fala tem sido bastante utilizada nos debates políticos pertinentes aos movimentos sociais. Entretanto, assim como ocorre com a utilização do termo "interseccionalidade", faz-se necessário compreender o seu conceito para uma análise crítica acerca das relações de poder presentes na organização social. Dessa forma, em O que é lugar de fala? a filósofa Djamila Ribeiro se propõe a esclarecer o uso dessa expressão, especialmente a partir de suas origens.

Em Um pouco de história, a autora trata dos primeiros momentos do feminismo negro, com destaque para o famoso discurso "E não sou eu uma mulher?" de Sojourner Truth e o reconhecimento da dimensão epistêmica do racismo, na medida em que a linguagem e os meios para a produção do conhecimento são utilizados como mecanismos para a manutenção do poder. Nesse contexto, tem-se a proposta de um feminismo decolonial, isto é, de superação de um pensamento colonizado, de maneira a destacar que a ideia de universalidade no feminismo é falsa, pois existem diferentes intersecções as quais devem ser consideradas. 

No capítulo Mulher negra: o outro do outro, é apresentada a abordagem de Grada Kilomba, autora de "Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano", sobre a concepção da mulher como Outro, trabalhada na obra de Simone de Beauvoir. Em síntese, Beauvoir entende que a construção do gênero feminino ocorre em relação de oposição e inferioridade ao gênero masculino, mediante uma limitação das possibilidades de vida das mulheres, logo, a mulher consiste no Outro do homem. Para Kilomba, é preciso considerar não só a masculinidade, mas a branquitude, o que torna a mulher negra o Outro da mulher branca, isto é, o Outro do Outro. 

Nesse sentido, é introduzido o conceito de "outsider within" ou "forasteira de dentro" concebido pela socióloga Patricia Hill Collins a fim de identificar a posição ocupada pela mulher negra no movimento feminista, haja vista que a ideia da mulher universal do feminismo se reduz às mulheres brancas. Portanto, ressalta-se a relevância de nomear as diferentes formas de opressão com o objetivo de encerrar a invisibilidade dos grupos oprimidos e, então, viabilizar o desenvolvimento de políticas públicas específicas para o combate das distintas problemáticas sociais. 

No capítulo que dá nome ao livro, ressalta-se outra temática presente na obra de Patricia Hill Collins: "feminist standpoint theory" ou teoria do ponto de vista feminista. Basicamente, há o entendimento de que devem ser consideradas as circunstâncias nas quais os sujeitos estão inseridos, em seus diversos marcadores sociais, de modo a evidenciar o caráter estrutural dos mecanismos de opressão. Assim, passa a ser salientado o impacto das condições sociais na formação da subjetividade, em detrimento da ênfase atribuída às experiências individuais. 

Sob esse prisma, o lugar social ocupado pela pessoa se relaciona diretamente com o lugar de fala apresentado por ela. Logo, depreende-se que todos os indivíduos possuem um lugar de fala, isto é, uma perspectiva própria constituída a partir das posições ocupadas por eles nas relações intersubjetivas e de poder. Essa é a temática que encerra a obra, com um destaque para a necessidade de as pessoas que possuem privilégios abordarem a temática das opressões a partir da sua visão, como forma de refletir sobre o espaço que ocupam, reconhecer seus privilégios e questionar as estruturas vigentes. 

Em suma, O que é lugar de fala? consiste em uma leitura objetiva e fluida, com conteúdos bem interessantes acerca da concepção desse conceito e da necessidade de identificar os marcadores sociais que integram os pontos de vista desenvolvidos pelos sujeitos. Como eu já havia lido O que é interseccionalidade?, da Carla Akotirene, e outros textos relacionados, algumas informações não foram novas para mim, mas de modo geral se trata de um livro muito bacana para introduzir essa discussão importante quanto à dimensão do discurso na luta contra as distintas opressões. 


Minha Estante #123
Título: O que é lugar de fala?
Autor (a): Djamila Ribeiro
Páginas: 114
Editora: Letramento
Nota: 4/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista

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