Fome, de Roxane Gay

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"[...] e depois eu comi, comi, comi e comi para transformar meu corpo numa fortaleza [...]"


Em Má Feminista, publicado anteriormente, Roxane Gay comenta brevemente sobre um episódio no início de sua adolescência, o qual gerou impactos em todo o seu desenvolvimento, tanto em seu amadurecimento como no viés interpessoal. Em Fome, a autora retrata o principal aspecto afetado por esse abuso sexual sofrido quando tinha doze anos de idade: sua relação com o próprio corpo. Seu propósito é, portanto, compartilhar momentos particulares e realizar críticas às imposições sociais a partir desse fato ocorrido na sua vida, o qual permite abordar diversas temáticas voltadas para a construção da sociedade, bem como dos seus reflexos na "individualidade" de cada sujeito.

Me refiro à individualidade assim, entre aspas, porque algumas das reflexões apresentadas ao longo do livro nos fazem perceber como cada um de nós é moldado pelas expectativas alheias e pelos padrões consolidados. Essa circunstância é facilmente observada no decorrer da leitura, porquanto mesmo com um corpo e uma vivência bastante distintos daqueles retratados pela autora, é possível se identificar com ela em vários trechos.

Da mesma maneira que em sua coletânea de ensaios, Roxane reitera nossas falhas enquanto feministas, no sentido em que existe uma grande diferença entre reconhecer as imposições da sociedade, aliás, a necessidade de subverter essas construções por intermédio do empoderamento, do autoconhecimento e da luta por nossos ideias e alcançar esses objetivos de fato, com uma aplicação direta nas nossas vidas. Assim, embora saiba que não existe um corpo perfeito e que devemos nos amar como somos verdadeiramente, ainda possui dificuldades em se aceitar, especialmente no que diz respeito às implicações do seu corpo nos espaços que ocupa. 

Sob esse panorama, o leitor percebe como todas as formas de relacionamento da Roxane foram influenciadas pelas consequências do estupro sofrido quando ainda se encontrava num processo de entrada na adolescência. Com esse episódio, surgiu um ímpeto de se esforçar para manter o controle da sua jornada e disfarçar a sua dor, o que apenas gerou um distanciamento entre a jovem que ela era e aquela que almejava ser. Essa situação interferiu no seu convívio com a família, com os colegas, com amigos e parceiros. Tudo tomou um novo rumo em virtude da sua necessidade de cultivar uma força a qual, intimamente, não detinha.

Um fator interessante abordado pela autora consiste nas contradições existentes na sociedade: ao mesmo tempo em que há um alarde acerca dos crescentes índices de obesidade, há uma deficiência de medidas de combate a essa questão de saúde pública, bem como o uso desse fenômeno como fonte de um entretenimento opressor proposto nos reality shows para perda de peso. Nesse cenário, a gordofobia acontece de forma explícita e também mascarada por meio da associação entre redução de peso e vida saudável, uma manifestação inconsciente da obsessão pela magreza na contemporaneidade. 

Em Fome, como o subtítulo sugere, Roxane Gay relata uma autobiografia a partir da relação que desenvolveu com o seu corpo, de modo a delinear todas as suas transformações desde o dia em que foi abusada sexualmente e ridicularizada por um jovem pelo qual cultivava esperanças românticas e os amigos dele, até hoje, na condição de uma mulher engajada no feminismo, a qual ainda precisa lutar para não se deixar abater ante a violência da sociedade. Nessa perspectiva, a autora nos traz a relevância de recordar diariamente o nosso potencial para lidar com os nossos conflitos particulares ocasionados por uma conjuntura a qual não tem piedade de nenhuma categoria. 

"Eu me alimento direito. Faço exercícios. Meu corpo fica menor e começa a dar a sensação de ser mais meu, não uma jaula de carne que carrego comigo. É quando começo a sentir um novo tipo de pânico, porque sou vista de uma forma diferente. Meu corpo se torna uma fonte diferente de discussão."

Minha Estante #115
Título: Fome
Autor (a): Roxane Gay
Páginas: 236
Editora: Globo
Nota: 4/5
Leitura para o projeto Biblioteca Feminista


Já leram algum livro da Roxane Gay? Me contem nos comentários o que acharam!
Beijos e até o próximo post!


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2 comentários

  1. Oi Gabi,

    Não conhecia o livro, mas achei o tema interessante.
    Não sei leria, pois não faz muito meu estilo de leitura, mas gostei de conhecer a história.
    Bjs e um bom fim de semana!
    Diário dos Livros
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    Respostas
    1. Oi, Jessica! Talvez seja uma boa pedida para sair da zona de conforto, é uma leitura bem fluida. Bom fim de semana, beijos! <3

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