A balada de Adam Henry, de Ian McEwan

14:00:00

"A missão dela não consistia em salvá-lo, e sim decidir o que era razoável e legal."

Fiona Maye é uma juíza do Tribunal Superior, atuante do setor especializado em Direito de Família e conhecida por sua imparcialidade na resolução de casos complexos. Ao longo de seus muitos anos de magistratura, já decidiu por uma cirurgia em que somente um dos irmãos siameses poderia sobreviver e pela guarda de duas crianças em um divórcio litigioso marcado pela divergência religiosa e cultural do ex-casal, entre outras situações  relacionadas a temáticas semelhantes. Todavia, embora resolva tais confitos com racionalidade, Fiona ainda encontra dificuldades em seu próprio relacionamento familiar.

Com quase sessenta anos de idade e casada durante a maior parte de sua vida, Fiona tem convivido nos últimos tempos com a infelicidade silenciosa de seu companheiro. Ainda, não teve filhos, mais uma evidência da desproporcionalidade entre a dedicação dispensada à esfera profissional e à pessoal. Enquanto elabora mais uma sentença, seu marido resolve tomar alguma atitude quanto à situação deles e, após uma discussão, sai de casa. Em meio a esse transtorno em casa, a juíza recebe um caso de urgência: Adam Henry, de dezessete anos, necessita de uma transfusão de sangue devido à leucemia, mas seus pais e ele mesmo são Testemunhas de Jeová e não aceitam o procedimento. Nesse contexto, mais uma vez Fiona tem sua vida privada ocupada pelo cargo no Tribunal. 

A ideia de discutir o conflito de princípios entre direito à vida e à liberdade religiosa em uma ficção foi o que me chamou a atenção nesse livro, o primeiro do Ian McEwan que conheci e segundo que li. Apesar de a sinopse indicar que essa é a temática central, logo no início percebemos que o foco é, na verdade, a existência da própria protagonista. A questão referente ao jovem Adam Henry consiste em apenas mais uma situação judicial que afetou Fiona Maye e tornou evidente o espaço ocupado pela profissão na sua vida particular. 

A trama começa com uma discussão entre Fiona e seu marido, um professor universitário, e ao passo que se desenrola o debate a personagem principal divaga sobre as circunstâncias vividas pelos dois ao longo do relacionamento e, principalmente, sobre seu distanciamento ainda inconsciente devido aos efeitos provocados por seu trabalho, os quais são mais intensos do que a juíza deixa transparecer. Nesse viés, o autor constrói uma personagem cuja vida inteira foi dedicada à concretização do seu sonho de magistratura, de maneira que outros segmentos foram deixados de lado. 

Inicialmente somos introduzidos no universo da juíza Maye e, para tanto, temos contato com o caso cuja sentença é elaborada após um diálogo não tão bem sucedido com seu marido. Somente quase na metade do livro é inserido o caso de Adam Henry. Ambos são relacionados à religião: no primeiro, a religião do pai entra em desacordo com as propostas da mãe acerca da educação das filhas; no segundo, as convicções religiosas de toda a família não permitem que a transfusão de sangue para o adolescente seja efetuada. A partir da fundamentação das decisões, é possível perceber o esforço da Fiona para alcançar a imparcialidade e agir de forma racional, mas é também notório como todos esses conflitos provocam questionamentos na personagem. 

A situação de Adam Henry é tratada com urgência, afinal, ele se encontra em um estágio avançado da leucemia e necessita da transfusão para sobreviver. Seus pais não concordam, pois para eles, enquanto Testemunhas de Jeová, o sangue é a essência sagrada dos indivíduos e não deve ser misturado com o de outros. Para apresentar essas noções, o pai de Adam Henry é interrogado pelos advogados do hospital e do próprio filho, de modo que consegue até certo ponto convencer o leitor de que o seu posicionamento é o correto, considerando-se que o jovem também compartilha dessa fé. Entretanto, o rapaz ainda não completou dezoito anos e não pode decidir por isso, motivo pelo qual sua condição foi encaminhada ao Tribunal Superior. Antes de formular sua decisão, Fiona visita o jovem no hospital e esse momento é determinante, tanto para a sentença como pela forma como ela passará a olhar para si. 

Embora eu tenha gostado de vários pontos abordados pelo autor ao longo do enredo, confesso que fiquei decepcionada quanto ao desenvolvimento do embate entre direito à vida e à liberdade religiosa. Os argumentos apresentados acerca do tema e as implicações do entendimento da juíza sobre o caso específico são muito interessantes, mas me pareceu que faltou alguma coisa. Talvez o assunto pudesse ter sido trabalhado com maior profundidade. Por essa razão, acabei me desapontando com o rumo tomado pela trama. Mais uma vez, as expectativas atrapalharam um tanto a minha opinião final sobre a obra. 

De maneira geral, é um bom livro. A leitura é super rápida, visto que a escrita do McEwan é muito envolvente e a forma como ele narra a história é bastante fluida. Porém alguns momentos, principalmente na reta final, poderiam ser mais ágeis, para que aspectos mais importantes, a meu ver, pudessem ser melhor trabalhados. Gostei bastante das relações desenvolvidas pelo autor quanto à linha tênue de separação entre vida profissional e pessoal da protagonista, mas pelo fato de essa abordagem ter contrariado minhas expectativas não pude aproveitar todas as reflexões proporcionadas nesse sentido. 

"Quando prestou juramento perante o presidente do Judiciário e fez seu voto de lealdade diante de duzentos colegas de cabeça coberta pela tradicional peruca branca, vestindo com orgulho uma túnica e sendo objeto de um discurso espirituoso, ela soube que a partida havia terminado, que pertencia à Justiça como outrora algumas mulheres tinham sido noivas de Jesus Cristo."



Minha Estante #112
Título: A balada de Adam Henry
Autor (a): Ian McEwan
Páginas: 200
Editora: Companhia das Letras
Nota: 3/5

Já leram algum livro do Ian McEwan? Me contem nos comentários o que acharam!
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10 comentários

  1. Me interessei neste livro, (mds, acabou de me dar deja vu, escrever isso só o aumentou), você recomenda para quem está voltando a ler e ainda não pegou a rotina?

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    1. Recomendo sim! A escrita do McEwan é bastante envolvente, torna a leitura fácil. Beijos <3

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  2. Já estava querendo ler O Inocente, do Ian McEwan. Com a sua resenha, fiquei ainda mais interessada! Abs

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    1. Que bom! Depois me conta o que achou do trabalho desse autor. Beijos <3

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  3. Eu nunca tinha ouvido falar desse autor, também não sei se é uma leitura que me despertaria curiosidade. Mas agora que já conheço, vou ficar mais atenta

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    1. Isso! Talvez você encontre algum livro dele com uma trama que te chame mais atenção. Beijos <3

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  4. Trabalho na área da justiça, e fiquei interessada em ler esse livro. Obg pela dica ;)

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  5. Interessante, mas não leria... Confesso que enquanto lia a resenha fiquei imaginando esse livro ser passado para uma adaptação (não sei porque, mas pensei em Viola Davis interpretando Fiona) que com certeza eu assistiria, mas não fiquei tão entusiasmada pela leitura.

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