Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado

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Durante muito tempo comandada pela família Bastos, Ilhéus começa a mudar quando Mundinho Falcão, um exportador de cacau, parece tomar as rédeas da situação local. O "forasteiro", instalado na cidade há apenas quatro anos, passa a promover importantes avanços no cotidiano da população, sendo o principal deles o funcionamento efetivo da estrada Ilhéus-Itabuna, através de um novo sistema de transportes. No entanto, seu comportamento passa a afetar o coronel Ramiro Bastos somente quando decide ocasionar melhorias no porto, interferindo nas relações comerciais ali, motivo suficiente para o surgimento de diversos conflitos.

Nesse contexto, uma oposição política é formada e todos os cidadãos precisam, de alguma forma, se posicionar. Essa é uma tarefa difícil para Nacib, dono do Vesúvio, que busca ficar alheio a essas discussões, já que o seu bar funciona como ponto de encontro para as grandes figuras locais, incluindo coronéis e oposicionistas. Entretanto, a chegada de sua nova cozinheira, Gabriela, provoca mudanças na sua maneira de viver e de ver o mundo, de modo que, aos poucos, não se envolver com as questões ilheenses torna-se quase impossível.

Diferentemente da expectativa criada pelo título, Gabriela não é o objeto central do livro. Apesar de possuir grande importância na história, a personagem é apenas um elemento da "crônica de uma cidade do interior", como menciona o autor no subtítulo da obra. Prova disso é que a moça só aparece por volta da página 100. Gabriela, Cravo e Canela tem como objetivo retratar a vida em Ilhéus entre 1925 e 1926, período de intenso desenvolvimento na zona do cacau, incluindo a recém fundada cidade de Itabuna, antigo distrito ilheense. 

O coronelismo é um dos aspectos mais marcantes do lugar e é muito bem explorado pelo autor. Jorge Amado consegue, através do retrato dessa comunidade, ilustrar a influência dessa estratégia, característica do período em que ocorre a trama, na construção de todas as relações sociais presentes em Ilhéus. Um dos primeiros acontecimentos do livro é evidência disso: o assassinato, inicialmente sem questionamentos, de Sinhazinha e de Dr. Osmundo, seu amante, pelo coronel Jesuíno Mendonça. Afinal, "honra de marido enganado só com a morte dos culpados podia ser lavada".  Ou seja, apesar de configurar o cenário político, o coronelismo é aplicado em todos os aspectos da vida em sociedade, desde as eleições até o convívio familiar. 

Outro fator marcante é a representação da condição da mulher, situação de submissão ainda mais intensa devido ao caráter patriarcal reforçado pelo contexto coronelista. Além do assassinato da Sinhazinha, diversos outros ocorridos evidenciam esse aspecto e uma personagem específica representa muito bem a luta pela liberdade/independência/autonomia feminina, ainda tímida nesse período, principalmente nas cidades do interior: Malvina, filha do coronel Melk Tavares. Desde suas primeiras aparições no enredo, a jovem estudante do colégio de freiras apresenta um comportamento diferente das outras, como na cena em que compra um exemplar de O Crime do Padre Amaro, livro considerado impróprio para mulheres. Ao longo do desenvolvimento, Malvina é a que mais se rebela e faz reinvindicações, porém em diversos momentos essa realidade machista é questionada por outros personagens.

O romance de Nacib e Gabriela também tem seus momentos de destaque. Ao ser contratada pelo árabe como cozinheira, a retirante conquista todos ao seu redor e se vê no centro de uma nova realidade. Apesar das influências e das tentativas de transformá-la em uma "moça da sociedade", a jovem mantém sua essência, carregada de simplicidade, ingenuidade e uma diferente perspectiva de vida, fatores que conquistam o leitor a cada página. Gabriela é uma figura muito cativante e é bastante improvável não ser envolvido por ela, por sua forma de encarar a realidade. Na minha opinião, essa personagem de Jorge Amado carrega a visão de amor livre tão discutida nos dias atuais. Seu relacionamento com Nacib é visto por ela com muita naturalidade, de modo que o casamento lhe parece somente uma convenção. O importante para Gabriela é sentir o amor, a paixão, o desejo, nada mais.

Em Gabriela, Cravo e Canela o autor propõe narrar um certo período numa cidade, logo, são criadas diversas personalidades para compor esse cenário. No começo do livro, sempre que um nome é mencionado ocorre uma breve apresentação da sua história, o que torna as primeiras páginas um tanto arrastadas. Outro fator que colabora para essa leitura mais lenta é a espera ansiosa pelo aparecimento de Gabriela. Porém, depois que as principais personagens são introduzidas, há uma imersão total no cotidiano de Ilhéus que nos faz querer participar da vida naquela cidade. A minha experiência foi muito interessante, já que moro na cidade de Itabuna, que é também abordada na obra, e conheço Ilhéus, de maneira que pude conhecer um pouco mais uma determinada época da história dessa região.

Esse foi o meu segundo contato com o Jorge Amado e a minha vontade de conhecer melhor o seu trabalho só aumentou. Depois de ter lido Capitães da Areia e Gabriela, Cravo e Canela, pude perceber que o desenvolvimento do contexto histórico e social é algo marcante em suas obras. O autor procura explorar bem esses elementos e a sua influência na vida dos indivíduos, realizando críticas a determinados comportamentos de forma bastante sutil. Sem dúvidas, essa é uma característica que me conquistou em ambos os títulos. A escrita do Jorge é também muito envolvente e, apesar de um pouco arrastada no início devido ao caráter de introdução, a leitura ocorre tranquilamente, deixando o leitor curioso quanto ao destino dos personagens e, nesse caso, da cidade de Ilhéus. Livro e autor estão super recomendados.

Minha Estante #107
Título: Gabriela, Cravo e Canela
Autor (a): Jorge Amado
Páginas: 336
Editora: Companhia das Letras
Nota: 5/5
Onde comprar: Amazon 





Já leram esse ou outro livro do Jorge Amado? Me contem nos comentários o que acharam!
Beijos e até o próximo post!

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